A vida são 2 dias e o Carnaval de Torres 6

Sara Dores
8 min readMar 25, 2021

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Da origem até à atualidade

N o reinado de D. Afonso III, festejava-se o Entrudo em Portugal, que se referia ao período que antevia a Quaresma. Era construída por uma festa onde os populares agiam de forma espontânea, pelas ruas lançavam-se baldes de água, ovos, farelos, entre outros produtos. Mais tarde, no século XVI, dá-se o termo Carnaval, recordando assim as festas romanas oriundas do cristianismo, que tinham início no dia dos reis e finalizavam na quarta-feira de cinzas, que se refere à véspera do tempo da Quaresma, onde era iniciada a “abstenção da carne”. A máscara usada no teatro grego, era um dos elementos obrigatórios, significava a transformação de quem a usava noutra pessoa. Neste sentido propagou-se a outros disfarces, tais como, as famosas Matrafonas, um símbolos do Carnaval mais português de Portugal.

Uma paixão que une gerações

“A organização mais desorganizada do País”, é uma frase muito utilizada pelos Torrienses.

A partir de 1986, o Carnaval Torriense, foi designado como um fenómeno massivo, uma vez que possibilitou a organização de grupos carnavalescos, e também pelo facto da comunidade torriense viver com antecipação este evento, unindo-se assim para a sua realização, é um evento popular e envolve várias classes sociais. Ainda no final da década de 80, o Carnaval passou a ser considerado herança cultural e também fator de desenvolvimento económico, onde passou a ser um importante componente promocional tanto da cidade de Torres Vedras como da região Oeste.

A gestão do Carnaval, com um caráter mais profissional, passou a realizar-se de forma anual desde o ano de 1985. No início da década de 90, foi criada a Promotorres, empresa municipal que, tem várias funções alocadas à cidade, onde passou a ter a responsabilidade de gerir este evento, o impacto televisivo deste fenómeno de forma massiva foi e é bastante importante para a divulgação do mesmo. Desde o início da década de 90 que este Carnaval, que muito dos populares designam como “O mais Português de Portugal”, onde marcou presença constante na televisão.

Corso Diurno — Carnaval de Torres Vedras

Os Reis

A primeira edição surgiu há 97 anos atrás, em 1923 neste ano a população iniciou uma das mais importantes tradições e que é mantida até aos dias de hoje, os Reis do Carnaval.

“Era, 10 horas e 17 minutos quando o comboio entrou na Estação. Sobem ao ar foguetes. A banda musical atroa aos ares como uma marcha real (…) na assistência há palmas e gargalhadas”.

No ano de 1923, iniciou-se a tradição de se fazer uma receção aos Reis do Carnaval, chegando à estação de comboio e de seguida percorriam as ruas da cidade integrando o cortejo carnavalesco.

Sendo que a Rainha do carnaval, surgiu pela primeira vez no ano de 1924, onde nesse mesmo ano foi um ano que se atingiu uma animação no cortejo nunca antes vista. O modelo dos Reis do Carnaval de Torres é algo irreverente pela sua composição, tanto o Rei como a Rainha são dois homens, pela posição sarcástica, pelos seus adereços desconcertantes sendo que têm como referência os foliões.

Atuais Reis do Carnaval de Torres

A eleição dos Reis do Carnaval, é feita pela Real Confraria do Carnaval de Torres onde foi assumida a legítima herdeira da Comissão do Carnaval. Esta organização foi fundada pela Promotorres, com o propósito de salvaguardar a identidade e as tradições do Entrudo torriense. Esta organização é constituída por cerca de 80 membros tendo a função a eleição dos Reis do Carnaval de Torres, que exercem o cargo até o entenderem, não existindo uma data definida para uma reeleição.

O que realmente são as Matrafonas.

As famosas Matrafonas são um símbolo icónico do Carnaval de Torres, onde demonstram a capacidade de renovação que assegura a fidelidade à tradição. Os grupos constituídos por “Matrafonas”, são homens mascarados de mulher em que surge a partir de 1926 até aos dias de hoje, desde muito cedo que os rapazes se mascaram de raparigas.

Inicialmente, as primeiras Matrafonas eram homens do campo, de poucas posses que não tinham possibilidades de comprar disfarces e decidiram vestir roupas antigas das suas esposas, a partir desse momento os homens vestidos de mulheres tornaram-se um ícone deste carnaval. As Matrafonas é um ícone que não existe em mais nenhum Carnaval, satirizam os toques femininos, são vistas como “mulheres mal comportadas”

Têm unhas mal pintadas, batom borrado, perucas despenteadas, muitos pêlos, usar saltos altos não é de todo o seu forte, são bastante atrevidas e têm gostam bastante de sambar!

Atualmente, as Matrafonas têm muitos acessórios à sua disposição, desde perucas, pestanas postiças, entre outros. As roupas vão procurar aos armários das mulheres de suas casas, desde irmãs, mães ou até mesmo avós, a maquilhagem é algo que também não pode faltar numa verdadeira Matrafona.

Típica Matrafona do Carnaval de Torres

Cup — A bebida oficial do Carnaval de Torres

O Cup, é a bebida oficial do Carnaval é uma especialidade vinda da Feira Popular de Lisboa, é uma receita secreta, na altura do entrudo os foliões fazem fila para beber um ou mais “Cup’s” com os seus amigos. Em várias alturas do ano, tais como na véspera de Natal, na Páscoa os foliões marcam lugar com os seus amigos para beber um Cup.

Cup na Caravela — Bebida Oficial do Carnaval

Carros alegóricos e os cabeçudos

Os carros alegóricos, são desde a sua origem um marco do Carnaval de Torres. A sua construção está muito centralizada na sátira de temas da atualidade tanto a nível nacional como a nível internacional e também pelas suas grandes dimensões. Desde a idealização até à construção são produzidos integralmente por duas empresas locais. A temática inclui várias figuras públicas, políticas ou até mesmo desportistas que marcam a atualidade no presente ano.

A preparação do Carnaval começa por volta do mês de março, quando a Comissão do Carnaval se reúne e avalia a edição passada, para começar a preparar o ano seguinte e assim define os componentes que devem ser alterados, melhorados ou até mesmo a introdução de novos conteúdos para a próxima edição. No mês de julho dá-se o início do concurso da elaboração destes mesmos carros, desde os artistas plásticos locais, entre outras coisas. Desde este momento, que não há mãos a medir nos estaleiros da Câmara Municipal e também nas duas empresas que são responsáveis tanto pelo monumento do carnaval como pelos carros alegóricos. São recrutadas várias pessoas, desde carpinteiros a pintores que montam toda a estrutura enquanto os escultores realizam as caricaturas. Em simultâneo também é feita uma manutenção aos cabeçudos das mazelas do ano anterior.

Dos estaleiros saem verdadeiras obras de arte de grandes dimensões, que poderão sofrer alterações consequentes aos factos da atualidade que marcam o país e o mundo.

Carro alegórico — Carnaval de Torres

Afinal quantos dias dura o Carnaval de Torres?

O início do carnaval é marcado pela inauguração do monumento, 3 semanas antes do começo oficial do evento, nesses 3 fins de semanas antes do começo do carnaval os bares e a discoteca oficial do Carnaval enchem-se de foliões para dar início a este evento de grande dimensão.

A sexta feira de Carnaval é reservada ao corso escolar onde todas as escolas desfilam com os seus alunos com disfarces alusivos à temática.

O sábado é marcado pela chegada dos reis à estação de comboios e pelo início do corso noturno, onde grupos de foliões desfilam com os seus disfarces também alusivos ao tema, onde decorrerá uma eleição de melhor grupo de mascarados.

No domingo, o corso é diurno onde os grupos organizados desfilam e é marcado pela divulgação dos premiados e pelo TóCandar onde todos os anos promete bastante animação.

Na segunda feira o corso é noturno e é o dia marcado pelo corso trapalhão onde os foliões vestem os disfarces que quiserem ser estar alusivos ao tema. Todos os dias de Carnaval há animação com Dj’s nas várias praças da cidade até às 04.00h da manhã, depois disso os verdadeiros foliões marcam presença nos bares da cidade, de seguida vão ganhar forças e tomar o pequeno almoço à praça municipal para de seguida irem para a discoteca oficial do Carnaval, o Túnel. O dia de um verdadeiro torriense só acaba a sua noite às 16.00h, onde vai ganhar forças para a próxima noite, onde este ritmo começa na sexta-feira e termina na terça-feira quando o TóCandar parar.

Na terça feira, acontece o último desfile pelas ruas da cidade e só se para na última volta do TóCandar.

A quarta-feira é marcada pelo Enterro do Entrudo em frente ao Tribunal da cidade, é sinónimo do encerramento do Carnaval. Os foliões assistem ao enterro do entrudo e também ao julgamento do rei, tem início com um cortejo fúnebre em direção ao Tribunal, o rei é julgado pelo juiz, condenado à morte e dá-se à queima do boneco que simboliza a queima do entrudo. Neste julgamento está muito presente a sátira política como social, como em todos os momentos do Carnaval de Torres.

Concluindo o Carnaval de Torres são 6 dias, pois tem início na sexta-feira e encerramento na quarta-feira, onde é composto por 6 dias e 5 noite de pura folia, daí a frase tão popular “A vida são 2 dias e o Carnaval de Torres são 6”.

Samba da Matrafona — O Hino a todas as Matrafonas e Foliões

O “Samba da Matrafona”, passou a ser o Hino do Carnaval de Torres Vedras, onde a torriense Susana Félix compôs e dá voz a esta música, é uma verdadeira amante do Carnaval. Susana Félix dá voz a este tema com mais dois músicos brasileiros, Zeca Pagodinho e Emicida, onde homenageia todos os foliões, o Carnaval e não podia faltar também a famosa Matrafona.

As músicas brasileiras, onde o samba tem um lugar de destaque, fazem parte da tradição do Carnaval, e a cantora e compositora do tema, Susana Félix criou um samba, com referências sonoras de bombos, uma letra que simboliza a Matrafona torriense e que se baseia nas marchas do Carnaval do início do século XX. Esta música tem bastante significado para todos os torrienses e simboliza exatamente os locais onde que os torrienses frequentam durantes os 6 dias que representam esta grande festa, que é o Carnaval mais Português de Portugal.

O tema do Carnaval 2021 e o seu monumento

A inauguração do monumento é o simboliza o início desta grandes festa, e o que é necessário para se começar a sentir a folia e os sorrisos na cara dos torrienses. Este ano é marcado por não existir nem máscaras nem disfarces como nos anos anteriores como se gostaria, mas sim há outro tipo de máscaras. Máscaras essas que são bastante importantes para proteção individual como de grupo.

O monumento de 2021 é um tributo a todos os profissionais que lutam diariamente na linha da frente no combate da pandemia e também o reconhecimento do esforço de todos os Portugueses.

“Não há abraços nem beijos, mas há esperança! Até 2022!”

Monumento do Carnaval 2021 em tributo aos profissionais da linha da frente no combate da pandemia.

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